Foi uma das primeiras clientes no meu primeiro ano de prática psicoterapêutica independente. Lembro-me de sempre me perguntar o que fazer se surgisse “aquele caso”. Lembro-me de o recear tanto que, a certo dia, o manifestei.
A Ana
Começámos por reforçar o trabalho que ela estava a fazer para deixar de fumar, porque se queixava de ter ainda muita vontade. Com algumas sessões de hipnose lá fomos construindo motivos cada vez mais sólidos e presentes para não fumar mais; para que o poder do auto-amor, da saúde e auto-elevação a um maior nível de consciência fossem mais fortes que o hábito.
A certo dia a Ana disse-me também que estava a ter dificuldades em dormir porque acordava com pesadelos muitas vezes. Sugeri que fosse registando os sonhos para análise, e assim foi.
Alguns sonhos depois, chegámos à conclusão que aquele que se repetia mais era sensivelmente sempre o mesmo, em locais diferentes, épocas e idades diferentes: Ela estava num local fechado e fugia sem conseguir sair do mesmo sítio. Não sabia do quê porque não olhava para trás, sentia um medo terrível. Eventualmente acordava em pânico imediatamente antes de ser apanhada.
Em hipnose voltámos ao sonho e olhámos para trás.
De imediato a imagem daquilo que o causava foi revelada e assumida.
Chorada e liberta.
Pela primeira vez, a Ana tinha-se ouvido falar sobre o assunto.
A Ana tinha na altura 53 anos, empresária bem-sucedida, com 2 filhos e um companheiro que mantinha desde os seus 18 anos. Era uma mulher que demonstrava poucas emoções, muito prática e direta. Nunca a vi sorrir durante os 6 meses de consultas.
Várias vezes me disse que apesar do marido lhe dizer muitas vezes que a amava, ela nunca tinha sido capaz de o dizer, apesar de também o sentir.
No último dia, quase no final da consulta, a Ana disse que tinha algo para me contar: que finalmente tinha conseguido dizer ao marido que o amava. Soltou uma gargalhada meio envergonhada e os olhos brilharam de alegria e emoção. Novas portas se abriram para a Ana. A sua coragem de enfrentar o que lhe doía tanto, estava só a começar a saber a recompensa.
Os casos de pedofilia são mais comuns do que gostaríamos de admitir. E em todos, mais ou menos visíveis ao nosso mundo exterior, há terríveis consequências emocionais, mentais, sociais e físicas. Temos que admitir que não conseguimos acautelar todas as situações e, por isso, estar sempre muito atentos, a todos, principalmente àqueles mais insuspeitos. Proteger as crianças, sejam elas “nossas” ou não, é uma responsabilidade de todos. Falhamos como sociedade todos os dias, não falhemos como pais, como protetores, como humanos. Estejemos atentos.
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Cláudia Roque
Psicoterapeuta / Hipnoterapeuta
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